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01 junho, 2013

AS DUAS ALEGRIAS QUE TEVE O NOSSO COLEGA INÀCIO



1ºCRONICA DE RAUL MACHINHO

Prezado Amigo Peixoto

Desejo que estejas de boa saúde assim como tua família.

Vou enviar-te semanalmente uma crónica, de uma série que escrevi para dois sites de relacionamento frequentado por Veteranos da “Guerra do Ultramar” e também publicados numa revista local.

O tema basicamente versará sobre alguns factos por mim vivenciados ou presenciados durante minha passagem pela Zona Operacional do Zala nos Dembos – Norte de Angola.

Como vi no teu Blog um ex-camarada que pertenceu a C.Ccaç. 1717, mencionar a operarão “Lua Cheia” e como eu também estava presente nessa operação na C. Caç. 1716, a primeira crónica será a descrição dessa manobra.


                          Aquele abraço do


                            Raul Machinho        

 

  CRÓNICAS DE UMA GUERRA

Na sequência da minha participação neste grupo de  Veteranos de Guerra, hoje vou descrever uma das maiores operações que fizemos, quando da nossa permanência naquela área de contra guerrilha.
Como meu estilo de narração é provido de detalhes, o texto ficou longo.
Por isso, será inserido em três etapas.                         

                                              OPERAÇÃO LUA CHEIA
                           
 1ª Parte – A preparação

Quando fui promovido a furriel, estava integrado num pelotão destacado na Vila do Andulo, no distrito do Bié.
Passados dois meses, fui mobilizado para a chamada Zona de Intervenção Norte, mais precisamente na área operacional do Zala, nos Dembos, onde já se arrastava por alguns anos uma guerra de contra-guerrilha entre as Forças Armadas  Portuguesas e os movimentos de libertação, FNLA e MPLA.
No aquartelamento do Zala estava sediado o Batalhão de Caçadores 1919, ao qual havia sido integrado. A companhia que me foi destinada, 1716 estava destacada a alguns quilometros dali, num local chamado de Vila Pimpa, onde apenas existia o aquartelamento rodeado de floresta. População só a dezenas de quilômetros.
Resumindo: estávamos no mato, isolados e confinados entre aquelas fiadas de arame farpado que delimitavam o perímetro do improvisado quartel.

Era mês de Março de 1968.  Já ali permanecíamos há alguns meses.
Esse dia, eu estava entretido a embalsamar uma cabeça de Gulungo (antílope) que alguém havia caçado de manhã, no local de captação de água.
Observando meu trabalho e conversando comigo, estavam os furrieis Walter e Rocha, meus amigos já antes da tropa.
De vez em quando, tossiam ou colocavam a mão no nariz para não inalar o forte cheiro do formol que pairava no ar, devido ás injeções que aplicava naquele troféu de caça.
Aproximou-se de nós o cabo escriturário que afirmou: - Nosso Capitão mandou avisar que ás 14H00 haverá reunião de Oficiais e Sargentos em seu gabinete.
O Rocha, mais afoito de nós três, levantou-se e disse: Já estava admirado com todos estes dias sem fazermos nada. Ai vem “tarefa grossa”.
     A hora marcada, lá estávamos, os quatro alferes, os dois segundos sargentos do quadro e os      dez furrieis que
     compúnhamos os graduados operacionais da companhia, mais  o furriel enfermeiro e o furriel      mecânico.
Entramos e formamos um semicírculo. O capitão posicionou-se no centro e começou a falar: - Esta reunião é    para comunicar que vamos fazer parte de uma operação em conjunto com a companhia 1717. Eles integrar-se-ão a nossa coluna quando passarmos no Zala. Iremos nas viaturas até determinado local, depois prosseguiremos a pé por uma trilha, até atingirmos o objetivo, que fica ao Sul do Bico do Pato, no interior da floresta. O objetivo é a destruição um acampamento inimigo. Irá conosco servindo de guia, um ex-guerrilheiro que se entregou no Zala e conhece muito bem o terreno, pois fazia parte de um grupo que atuavam na área, em montagem de emboscadas, na picada entre Zala e Bela Vista. Nós vamos com três grupos de combate, o 2º, 3º e 4º. O 1º fica de guarda ao Aquartelamento. Eu estarei no comando da nossa companhia. Quando desembarcarmos, as viaturas permanecerão na picada a nossa espera e serão guardadas por duas secções uma de cada companhia. Recomendo muita atenção e avisem vossos comandados, para ficarem de olhos bem abertos, pois certamente eles não nos deixarão aproximar facilmente de sua base. Levaremos rações de combate para dois dias. Alguém quer fazer alguma pergunta? O alferes do terceiro grupo de combate perguntou: - De qual grupo de combate sairá a secção que ficará de guarda as viaturas? – Do seu, faça a escolha. Preparem tudo, pois sairemos amanhã depois do almoço. – Concluiu o Capitão.
Os alferes mandaram reunir seus grupos de combate, para transmitirem as ordens.
Logicamente, não informaram com detalhes o esquema da operação. Resumiram por alto. Não havia interesse, nem necessidade, de deixar a tropa sob tensão, o que poderia vir a influenciar, posteriormente, no desempenho de cada um.
Depois da reunião, dirigi-me ao alojamento de Sargentos e iniciei minha preparação: Desmontei, limpei e lubrifiquei a  minha  G3. Verifiquei os carregadores de reserva de munições que normalmente carregava no cinturão. Peguei e separei duas caixas com vinte balas cada, que levaria no bolso das calças do camuflado, como reforço. Tirei e verifiquei as duas granadas de mão que sempre carregava no cinturão, em um porta granadas feito por mim de pele de gulungo. Separei mais uma granada que colocaria presa na platina da camisa, abaixo do ombro esquerdo. Peguei a minha mochila e dei uma sacudida para retirar a poeira. Dentro pus o poncho de plástico camuflado que servia de capa da chuva e também a blusa de malha com gola alta, que fazia parte da farda, para ser utilizada no caso de fazer frio á noite e um par de meias grossas para calçar com botas. Lavei o meu cantil para água que levaria também no cinturão. Peguei duas caixas de ração de combate. Abri e separei o que mais gostava de comer: as latas de sardinha e atum, as latas de leite achocolatado, as bisnagas de leite condensado e doce de frutas, os pacotes de biscoitos e os comprimidos de cloro para colocar no cantil e desinfetar a água. As latas de carne guisada com batatas, carne de porco, feijoada e frutas cristalizadas, troquei com os Soldados por latas de leite achocolatado. Com esta seleção reduzi bastante o peso da mochila.
Essa noite fui-me deitar um pouco preocupado, pensando nas consequências que poderiam advir daquela operação tão perigosa.
O Furriel, companheiro de grupo de combate que dormia na cama do lado, mexeu-se a noite toda, naturalmente por ter espantado o sono, apreensivo com a operação e pensando na família que tinha deixado em Portugal.
De manhã, reunimos  com os nossos comandados e o Alferes perguntou se todos tinham preparado as armas, munições e mochilas.
Cada grupo de combate, comandado por um Alferes, tinha três Secçõe. Cada secção comandada por um 2º sargento ou furriel tinha dois cabos e seis soldados. Ainda faziam parte dessa subdivisão do G.C., um Cabo enfermeiro com sua bolsa de primeiros socorros e um cabo de transmissões que carregava o rádio transmissor/receptor e dois soldados condutores.
Cada secção era responsável por uma arma semipesada. A primeira secção pela metralhadora MG de fita, A segunda pela bazzuca e a terceira  que eu comandava, pelo morteiro 60, cujo apontador apenas carregava o cano, pois a base com o bipé e o mecanismo para regulagem de tiro, era muito pesada. O furriel comandante de cada secção designava  um cabo ou soldado  para transportar ás costas e manejar essa arma. As  munições de cada uma dessas armas eram distribuídas para serem transportadas pelos componentes de cada secção, que também levam a sua G3, respectivas munições e mochila. Como sempre as praças eram os mais sacrificados.
Depois do almoço, formou-se a coluna. Na frente como habitualmente, ia um camião berliet, carregado de sacos de areia, cujo peso proposital, servia para conter o embate no caso de acionar uma mina. No meio iam os unimogs e por último outra camião berliet. Eu com o meu pessoal, juntamente com furriel Roque e seus comandados, fomos designados para viajarmos na ultima berliet. Os cabo e soldados sentaram-se na carroceria em bancos de madeira  e nós dois na cabine junto ao condutor. O alferes, o outro furriel e o resto do pessoal iam nos unimogs. Toda essa acomodação foi designada pelo capitão de acordo com os alferes de cada grupo de combate.
As 15H30 saímos do aquartelamento. Ao entardecer estávamos no Zala. O capitão dirigiu-se ao comando do Batalhão para  juntamente com o  tenente coronel comandante e o major segundo comandante, responsável pelo planejamento de operações, definirem os acertos finais da incursão.
Ficamos por ali algumas horas esperando  que anoitecesse. Deu até para irmos ás respectivas cantinas e messes, comer uma sandes, tomar um refrigerante ou uma cerveja e bater um papo com os camaradas das outras companhias. 
Entretanto os  grupos de combate da companhia 1717, já se tinham integrado na coluna. Ás 22H00 veio a ordem para embarcarmos. Partimos logo em seguida. Na viatura da frente ia o guia para poder informar quando deveríamos parar, desembarcar e entrar na mata.

2ª Parte – O Combate

Passava um pouco da meia noite, quando a coluna parou.
Pelo tempo da deslocação, estávamos relativamente perto do “Bico do Pato” (local de habituais emboscadas).
O capitão reuniu os alferes para repassar as orientações finais.
A partir daquele ponto, prosseguimos a pé, em fila indiana por uma trilha, perpendicular a picada,  mata  adentro. A frente ia o guia com uma corda  amarrada na cintura e a outra extremidade segura pelo Cabo responsável por ele. Este procedimento, um tanto ou quanto radical, era uma garantia, no caso do ex-guerrilheiro resolver fugir. Essa atitude iria causar-nos imensa confusão e nos deixariam desorientados, pois só ele sabia com exatidão o local  do objetivo.
Os camaradas que ficaram de guarda às viaturas, foram distribuidos ao longo da coluna e agiriam de acordo com as ordens  dos  furriéis comandantes das respectivas secções.
Iniciamos a marcha, formando uma enorme fila com mais de 100 homens bem armados, municiados e preparados para o que desse e viesse.
Caminhamos durante algumas horas, ouvindo apenas o cantar dos grilos e cigarras saindo das enormes arvores e vendo os pirilampos gigantes (vaga lumes), que voavam a nossa volta, parecendo que queriam iluminar-nos o caminho.
Com aquela escuridão, alguns tropeçaram em pedras e troncos de arvores secas espalhadas ao longo do trilho e quase bateram com o nariz nas costas do próximo. De vez enquando, tocávamos ou falávamos com o companheiro da frente, para confirmar que estávamos no rumo certo.
Depois de algumas comunicações, verbais que passamos uns para os outros percorrendo toda a fila, começou a clarear. Isso facilitou a caminhada, porque passamos a enxergar onde púnhamos os pés.
Tinhamos saido da mata cerrada e entramos numa espécie de clareira com capim muito alto, alguns arbustos e dispersas árvores de grande porte. A cerca de quinhentos metros,  vislumbrava-se uma elevação de terreno que parecia um morro. Esse tipo de capim, mais alto que um homem, dificultava-nos a visão a uma curta distância.
De repente... uma rajada ecoou naquela manhã, onde os raios de sol coçavam a despontar no horizonte. Os que encabeçavam a fila detectaram que o matraquear da arma, que parecia uma “Kalashnicov”, partiram de uma frondosa árvore, a uns trezentos metros á frente. Provavelmente tinham sido disparados pela sentinela avançado dos “turras”.
Eles usavam este tipo de sentinela, para alertar com antecedência, a aproximação de qualquer incursão das tropas Portuguesas ás suas bases ou acampamentos, localizados geralmente a  cerca de quinhentos a oitocentos  metros desses locais.
O alferes, comandante do grupo de combate da dianteira, mandou o apontador da metralhadora MG disparar uma rajada sobre a referida árvore. Quem lá estava,  devia ter pulado tão rápido que não foi atingido.
Entretanto, os disparos da sentinela e a nossa rajada, alertaram os ocupantes do acampamento que vieram ao nosso encontro.  Dispersamos da fila e avançamos em linha. Como referi o capim era bastante alto, o que não nos permitia ver quem disparava, apenas os ouvíamos  vindos de várias posições a nossa frente. Eles tentavam barrar nossa progressão, o que não estavam conseguindo porque nossas metralhadoras, bazzucas e G3 entraram em ação, ao que eles respondiam, com vários tipos de armas localizadas ao longo do terreno.
O nosso grupo de combate começou a subir uma encosta. De repente, o soldado Cunha da minha secção, disse aflito: - Furriel vi um baixar-se ali atrás daqueles arbustos. Corram e cerquem  os arbustos, - gritei. Levantou-se um negro alto e forte com os olhos esbugalhados e com os braços no ar, berrando : - Não mata, não mata,  eu entrego-me.- O alferes aproximou-se e ordenou: - Agarrem-no. O cabo Almeida com seu corpanzil saltou sobre ele e imobilizou-o. O oficial perguntou: - Onde esta a tua arma? – Não tem, - respondeu o  “turra” . - Ou falas ou não sais daqui vivo. Então ele borrado de medo afirmou: - Entreguei a outro companheiro lá embaixo. Só tenho uma granada, que esta ali, - e apontou para os arbustos. Lá estava a granada sem o pino de segurança e encostada a uma pedra e ao tronco do arbusto. - Porque fizeste isso perguntei? – Para quando o Soldado pegasse explodir. – Seu filho da puta querias matar um de nós, - resmunguei. -  Ninguém mexe, todos para trás, -  afirmou o alferes, - Vou  explodi-la com um tiro. – Virou-se para o cabo Almeida. -  Tu ficas responsável por este gajo, até o entregarmos ao nosso capitão.
 Almeida tirou uma corda do bolso e amarrou-lhe as mãos atrás das costas, para evitar que ele tentasse fugir.    O grupo de combate da outra companhia que progredia na dianteira teve que recuar, pois o cabo que ia à frente e carregava a metralhadora MG, foi alvejado na cabeça por uma rajada disparada por um dos inimigos escondido atrás de umas pedras.
Por rádio, chamaram de imediato um helicóptero através do comando do batalhão, para evacuar o ferido. Mas o ferimento foi mortal, quando a aeronave pousou, apenas levou a primeira vitima fatal daquela operação.
A noticia dessa baixa espalhou-se de imediato entre as tropas dispersas no terreno e causou um efeito  de tensão e raiva .
Como o inimigo estava oferecendo resistência, impedindo-nos de atingir o objetivo, o capitão resolveu pedir auxilio aéreo, através do rádio, ao comando do batalhão. Para isso informou as coordenadas da nossa posição no terreno.
Passados cerca de meia hora apareceram em vôo relativamente baixo, dois aviões caças F 84, da Base Aérea de Luanda.
Circularam em torno do lugar onde nos encontrávamos até entrarem na frequência do nosso rádio, operado pelo capitão. Este comunicou aos pilotos, nossa posição no terreno, e informou que o primeiro e último homem da nossa tropa tinham panos vermelhos nas costas, para não sermos confundidos com o inimigo. Os pilotos   informaram ter visto o que lhes pareceu um grupo de inimigos em rota de fuga, numa clareira.
Os aviões deram a volta e prepararam-se para o ataque. Dispararam suas metralhadoras, localizadas uma em cada asa. (Reparei num detalhe interessante, o qual nunca me tinha apercebido e que provava que aqueles aviões voavam a uma velocidade superior a do som. Quando embicavam para disparar, víamos a fumaça saindo das asas no local onde estavam montadas as metralhadoras e só ouvíamos o som das rajadas, alguns segundos depois no momento em que a aeronave arremessava). Fizeram isso duas vezes, depois avisaram o comandante da operação que iam lançar as bombas de napalm que carregavam, uma em cada asa, e as largariam, no local onde lhes pareceu ver o inimigo em fuga.
Em quatro incursões, soltaram aquela carga destrutiva que ao atingirem o solo provocam um enorme estrondo, muita fumaça e chamas da altura de um prédio de dez andares e cujo calor, deveria ter derretido tudo num raio de vários metros.
Os aviões deram mais uma volta e abanaram as asas em sinal de despedida e término de sua missão.
A resistência do inimigo abrandou. Deixamos de  ouvir  os disparos característicos de suas armas. A tropa avançou e rapidamente atingimos o objetivo. O acampamento ficou a vista. Era composto por uma dúzia de cabanas, construídas com paus, barro e cobertas com capim. Tudo tinha sido planejado para não ser descoberto por qualquer aeronave que sobrevoasse o local, porque estavam debaixo de frondosas árvores, o que dificultava até que uma bomba lançada de cima caísse sobre qualquer cabana.
O capitão mandou cercar a área, caso estivesse alguém dentro das cubatas e tentasse fugir. Disse também para  fazer uma revista geral em busca de armamento ou munições. Não encontramos ninguém ou qualquer arma. Na fuga levaram o de mais importante. Vimos somente as camas feitas de pau e cobertas com folhas secas, capim seco e algumas roupas. No centro do acampamento, uma cabana mais comprida, aberta dos lados e só com telhado, era a cozinha. Uma fogueira ainda com fogo, algumas panelas, pratos de esmalte e colheres de alumínio. A volta alguns troncos secos que serviam de bancos. Nos arredores, pés de mandioca e uma pequena lavra de milho. Algumas galinhas andando por ali. Carne pendurada secando ao sol, provavelmente de caça.
A ordem do comando foi para destruir tudo e puxar fogo as cabanas.
Como já tinhamos atingido o objetivo, o comando da operação resolveu não prosseguir, a fim verificar os estragos feitos pelo bombardeamento aéreo, na rota de fuga do inimigo.
Iniciamos a retirada, refazendo a fila indiana e utilizando o mesmo trilho da vinda. Estávamos cansados, com sono e os pés doridos. Tinhamos caminhado muito e havia 24 horas que não descalçávamos as botas.
Também não haviamos comido. Com aquela tensão, ninguém sentia fome ou oportunidade de relaxar, para ingerir qualquer tipo de alimento sólido. Só bebemos água ou o leite achocolatado das rações. Nosso desejo era chegar rápido ás viaturas, para nos sentarmos e descansarmos um pouco na viagem de regresso.
Repentinamente... rajadas de armas automáticas e outras  que pela cadência subentendia-se tratar de espingardas de repetição, foram dispararas sobre nós. Por sorte ou graças a grande altura do capim, as balas passavam assobiando por cima de nossas cabeças. Os projeteis batiam nos troncos das árvores e faziam soltar a casca ou levantavam poeira ao penetrarem no paredão da encosta do pequeno morro que ladeava o caminho.
Assustados, pois jamais pensávamos tal reação do inimigo, de imediato, atiramo-nos ao chão, rastejando a procura de algum buraco ou troco de árvore para nos protegermos.
O inimigo, embora com um número de homens muito inferior ao nosso e carência de armas e munições, mas com uma grande vantagem a seu favor o exímio conhecimento do terreno. Quiseram  demonstrar que não estavam com medo e não tinham sido totalmente aniquilados pelo bombardeamento aéreo e nossos disparos. Por isso,  montaram essa emboscada entre nós e as viaturas que estavam na picada, com intenções de nos acuar.
Depois da surpresa, reagimos de imediato  contra-atacamos usando nossas metralhadoras, fuzis e os morteiros 60, com o qual poderíamos fazer tiro curvo e atingi-los em rota de fuga, mesmo atrás de alguma elevação de terreno. Depois de algumas progressões das nossas tropas, sentimos que o inimigo não conseguia resistir e já estava em debandada, porque sua intensidade de fogo diminuiu e ouvíamos os tiros cada vez mais longe. Os camaradas que os perseguiram, contaram depois que viram,  além das cápsulas de balas, rastros de sangue no capim, provavelmente deixado por mortos ou feridos.
Quando chegamos à picada, verificamos que os condutores já tinham feito a inversão das viaturas para a posição de retorno.
O capitão mandou os alferes verificarem se estavam presentes todos os componentes de seus grupos de combate. Depois da confirmação que não faltava ninguém, mandou embarcar e recomendou a quem tinha a responsabilidade da guarda do  inimigo capturado, que ficasse alerta para não o deixar fugir, se por acaso houvesse alguma emboscada no trajeto até ao Zala.

3ª  e Última Parte – O Regresso


Chegamos ao Zala, sem qualquer contratempo. Já era noite escura. O capitão mandou entregar o prisioneiro á companhia de comandos e serviços. Os grupos de combate da companhia de caçadores 1717, retiram-se da coluna. O semblante de seus componentes era de tristeza, afinal a única vitima fatal daquela operação pertencia ao primeiro grupo de combate de sua companhia.
O capitão dirigiu-se ao comando do batalhão e permaneceu por lá cerca de duas horas, naturalmente fazendo o relato verbal dos acontecimentos ao comandante.
Às 20H00 iniciamos a última etapa do percurso que nos levaria ao aquartelamento. Quando chegamos, o capitão avisou que no dia seguinte haveria reunião de oficiais e sargentos em seu gabinete, por volta das 10H00.
Depois de um relaxante banho, esperava-nos uma refeição quente, pois havia dois dias que só tínhamos comido conservas.
Comi rapidamente. Estava exausto e com muito sono. Dormi a noite toda.
No outro dia, no meio da manhã, oficiais e sargentos operacionais juntaram-se com o comandante da companhia em seu gabinete, para avaliar o resultado da operação.
O capitão perguntou se algum dos presentes se queria manifestar.
O alferes comandante do nosso grupo de combate, referindo-se ao prisioneiro que tínhamos feito, disse: - O gajo não queria dizer onde tinha escondido a arma, tive que o ameaçar. Então afirmou que quando se viu cercado a  deu a outro e só ficou com uma granada defensiva, largada  junto ao arbusto onde estava escondido. Foi quando nós descobrimos que ele a deixou sem o pino de segurança. Explodia-a com um tiro
- Agiu bem, mais alguém quer mencionar alguma coisa? – Perguntou o capitão Ninguém se manifestou. Então disse em análise conclusiva: - A operação foi muito proveitosa porque conseguimos destruir o objectivo, capturamos um deles que nos será muito útil como guia em futuras operações e nos informará sobre efectivo, armamento, localização de acampamentos, etc. Tivemos oportunidade de observar algumas de suas tácticas: Entre eles deve existir organização e comando, pois tiveram a preocupação de nos barrar enquanto outros retiravam do acampamento tudo o que era mais importante. Embora soubessem de nossa superioridade em homens e armamento e que naturalmente chegaríamos as suas instalações para destruí-las. Com a emboscada durante a nossa retirada, quiseram mostrar que não foram totalmente aniquilados. E, observamos também, que eles estavam prevenidos, porque colocaram uma  sentinela avançada para não serem apanhados de surpresa. Portanto, lembrem-se sempre, não os devemos subestimar. Contudo, nossa actuação demonstrou aos comandos de Batalhão e Sector que estamos preparados para outras operações deste tipo.
Com este relato, quis demonstrar que não permanecíamos lá somente para guarnecer a “quadrícula” que nos foi designada pelo batalhão, mas também estávamos capacitados a fazer operações sem a participação das chamadas “forças especiais ou de intervenção”, compostas por GEs, TEs, Comandos ou Pára-quedistas. Esta operação permanece bem gravada em minha memória, porque nesse período, foi para nós que lá estivemos, uma das acções que mais se caracterizou com esse tipo de guerra. Não só por termos ficado bastante tempo debaixo de fogo e perdermos um companheiro, mas também porque  atingimos e destruído o objectivo e podemos contar com a participação da força aérea, nos bombardeamentos e evacuação por helicóptero de uma vítima.
Aquele abraço para todos os que - pacientemente leram esta minha narrativa.


Raul Machinho 

Nas fotos abaixo:

1ª – Eu e o camarada Walter – preparados para a operação.

2ª – Eu e parte da minha secção, antes do embarque.
3ª – Na berliet (última viatura da coluna) que nos levou para a operação.



    
      
                                                                                                                                                                    

 2ª CRÓNICAS DE UMA GUERRA

A importância do correio na vida dos militares, estacionados principalmente em áreas operacionais isoladas.

Aquela noite o soldado Cardoso não tinha dormido bem. Sonhou com sua família e teve um pesadelo.
De manhã, estava ansioso que chegasse o avião do correio para saber noticias de seus parentes em Portugal.
Quando abriu uma carta remetida pelo seu pai, confirmou o mau pressentimento que tivera essa noite. A notícia do falecimento de seu irmão Pedro, vitima de um acidente de automóvel, deixou-o arrasado.
Embora tivesse recebido palavras de conforto de seus companheiros de secção, grupo de combate e graduados, sua tristeza manteve-se por uns dias.

Já para o cabo Ricardo, as noticias foram maravilhosas.
Sua esposa informava-o do nascimento da filha.
Quando foi mobilizado para Angola havia deixado a Matilde grávida de 5 meses. Na carta, vinha uma fotografia do bebé, que correu de mão em mão, entre os camaradas da secção.

O soldado Oliveira, estranhou quando recebeu de sua noiva um envelope um pouco maior que os habituais. Quando abriu, verificou que juntamente com a carta vinha uma madeixa de cabelo e um tufo de pelos que pareciam pubianos.

Esse dia, eu também fui contemplado com uma carta da Márcia, minha madrinha de guerra, residente em Nova Lisboa e que, além de carinhosas palavras de conforto, também informava que como estávamos próximos do  Natal, me enviaria uma caixa com alguns acepipes, próprios dessa quadra festiva.
Fiquei radiante com as noticias.

Também havia os que nada recebiam, (maioria) ficavam tristes e pensativos, vendo seus companheiros com expressões de alegria, devorando com o olhar, as palavras escritas em cartas comuns ou aerogramas. Fixavam-se demoradamente nas   fotografias recebidas e sorridentes mostravam aos seus camaradas.

Alguns soldados eram analfabetos e pediam aos amigos de confiança e companheiros do grupo de combate para lhes lerem e escreverem as cartas.

O recebimento de cartas era como um bálsamo para áqueles homens angustiados que esperavam ansiosos as noticias de seus familiares e amigos.
Essa euforia tinha reflexos no alivio momentâneo da tensão que ali se vivia, em consequência do perigo ao qual estavamos expostos diariamente.

Quando a avioneta que trazia o correio, geralmente duas vezes por semana, se aproximava, quase todos corriam para a pista, ansiosos por serem contemplados com alguma noticia daqueles que a milhares de quilómetros lhes era tão queridos.
Esse pequeno avião também trazia ás vezes, no malote, caixas com fotografias que eu lhe havia tirado e cujos rolos dos negativos tinham ido para Luanda para serem reveladas.
No correio seguinte, algumas dessas fotos, naturalmente seguiriam para os familiares, em Portugal, confirmarem que eles estavam bem.

Estas e outras reações e cenas incomuns, relacionadas com a entrega de correspondência, foram  por mim presenciadas, várias vezes, quando estava de sargento de dia a companhia e assistia a distribuição do correio, feita pelo cabo escriturário.

Raul Machinho

                 
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Suplemento adicional para lembrar de que este exemplo em epigrafe era o que se passava na altura por centenas de militares que estavam ausentes da metrópole por ser obrigados a combater nas ex-províncias  ultramarinas, e portanto de certeza que haveria muitos episódios para contar, como acabo de mostrar pelas imagens abaixo descritas referente há Companhia de Comando e Serviço em que eu pertencia, recordando o momento em que se fazia a distribuição do correio e encomendas aos meus colegas desta referida companhia uma das quatro que representavam na altura o Batalhão de Caçadores 1919 no ano 1967/69.





    COBRA MATA SOLDADO PORTUGUÊS EM 1969